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Ajahn Amaro |
Há uns 15 anos atrás andava à procura de um sítio para
fazer meditação e yoga e fui parar à União Budista Portuguesa. Como éramos só
dois, o professor de meditação fez uma apresentação do Budismo e disse,
nomeadamente, que o Buda através da meditação descobriu tudo sobre si próprio e
dessa forma sobre o mundo. Salientou que descreveu 84.000 estados mentais.
UAU! Exclamei de admiração. Estes 84.000 estados, mais o
facto de também ter dito para não acreditarmos em nada só porque ele, Buda, disse,
que devemos sim investigar e descobrir por nós próprios; e mais a filosofia,
assente no bom coração, em abstermo-nos de fazer o mal e se possível fazermos o
bem, conquistaram-me.
Passei alguns anos muito dedicada à meditação e ao estudo
da filosofia budista, mais tarde afastei-me um pouco, e este ano voltei a
sentir necessidade de meditar mais profundamente e investigar-me.
Escolhi o melhor local que conheço para isso – o Mosteiro
Amaravati nos arredores de Londres – e um retiro dado pelo Abade do Mosteiro,
que eu praticamente ainda só conhecia dos livros, e cuja sabedoria e escrita me
tinham conquistado: Ajahn Amaro, um inglês de 63 anos que enveredou pela via
monástica há 41 na Tradição da Floresta da Tailândia.
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Stupa - Amaravati |
Foi um recordar do cientista que o Buda foi através do
cientista que Ajahn Amaro é.
Há 2600 anos o Buda descobriu estados mentais que a
Psicologia verificou no último século, ou que ainda nem lá chegou; leis da
comunicação que a Ciência da Comunicação vem descobrindo e que os comunicadores
se costumam esquecer; leis da física que a Física Quântica tem vindo a
desvendar também nos últimos tempos.
E como? Sem lupas, microscópios ou bisturis, até mesmo
sem dinheiro: usando simplesmente a meditação. Sim, isso mesmo, a meditação.
Meditação de concentração no que está a acontecer aqui e agora (Samatha) e de
investigação dos fenómenos que vão surgindo para que o conhecimento se possa
manifestar (Vipassana).
Ao pararmos e nos virarmos para dentro, com a atenção
focada num ponto, permanecermos nesse estado durante algumas horas, os
pensamentos vão diminuindo, vamos relaxando e passamos a ter acesso a mais
realidade cá dentro.
(A psicologia diz que só temos acesso a cerca de 10% a
25% do que se passa na mente. Logo a maioria dos fenómenos está ao nível do subconsciente
e por isso desconhecemos a maior parte do que se passa connosco, mas achamos
que nos conhecemos!!!!)
Quem dedica boa parte da vida à meditação, nomeadamente
os monges budistas, pode aprofundar a visão e o entendimento a níveis
superiores ao de qualquer máquina. Mas nós, os cidadãos comuns, com casa, outro
tipo de trabalho e família, não teremos tempo para tal aprofundamento, mas
podemos descobrir muito mais sobre nós próprios e a vida.
Há 13 anos, no meu primeiro retiro de silêncio de 10 dias
pude sentir claramente que o corpo não é sólido, senti que é feito
maioritariamente de água e que nele tudo flui. Tomei contacto com sensações
incríveis e estados jamais alcançados. Desta vez destacou-se a clara
compreensão da nossa própria falta de lucidez.
Apercebi-me como em cada altura acredito firmemente em
coisas, como as defendo com unhas e dentes, e mais tarde por vezes vejo que
estava errada; ou simplesmente mais tarde passo a acreditar noutra coisa, que
mais uma vez defendo com unhas e dentes, até que passo a acreditar noutra…
Apercebi-me como me é fácil reclamar. Sou capaz de andar
por aí em modo reclamativo. Outras em modo crítico.
Vi claramente como algo um dia me inspira e no outro dia
já não lhe acho graça nenhuma. Ou como alguém que acabo de conhecer me irrita
solenemente e uns tempos depois sou capaz de a achar incrível.
E os pensamentos que não param. Sempre a opinar, a
projectar, a recordar.
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Templo |
E isto de “termos razão” e os outros não perceberem traz
um sofrimento do caraças, não é? Uns choram e sentem-se infelizes, “ninguém me
entende, coitadinha de mim”; outros impõem a sua verdade pela força, seja a
força física, seja por terem uma posição de poder.
As nossas visões, interpretações e conclusões são só a
nossa história; são aquela parte da realidade que conseguimos ver naquele
preciso momento. Aquilo que julgamos das pessoas é a nossa própria criação da
pessoa, não é a pessoa em si. Por isso há quem ache o Fulano A incrível, quem o
ache horrível e quem não o ache nem bom nem mau. Por isso há quem considere
determinado acontecimento fantástico e quem argumente que foi das piores coisas
que podia ter acontecido.
Às vezes criamos coisas bem dramáticas, outras absurdas,
outras eu sei lá.
Há uns tempos a minha mãe disse-me que um certo amigo de
juventude tinha morrido. Uns meses mais tarde encontrei uma amiga comum e
perguntei por ele e ela disse-me que ele estava óptimo. Entretanto só depois
disto o voltei a ver, graças a Deus, ou arriscava-me a achar que tinha passado
a ver almas do outro mundo.
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Templo |
Não, não sou só eu que sou assim, não são os outros que
são assim, somos todos.
Percebo que somos um género de centrais cada uma com
características próprias. Há as centrais da má língua e as da boa língua. Há as
centrais da crítica: têm sempre algo a criticar, mal um problema se resolve
rapidamente arranjam outro. As centrais da preocupação. As centrais do
trabalho, as da preguiça, etc. Mas penso que cada um de nós tem um bocadinho de
cada, embora se “especialize mais nesta ou naquela”. E por mais que façamos lá
andamos grande parte do tempo às voltas com tais sintomas. São os chamados
padrões.
Andamos por aí em modo totalmente automático, não nos
apercebendo da maior parte dos fenómenos que nos acontecem e somos comandados
por eles, como marionetas. Somos os racionais, mas na verdade a maior parte do
tempo funcionamos por automatismos tal como os restantes animais.
Só mesmo a consciência – este parar para ver mais fundo –
para podermos fazer alguma coisa em vez de sermos levados pelas ondas, tantas
vezes bravias. Para percebermos que não somos maus, nem os outros o são, somos
vida e a vida funciona assim.
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Buda do Templo |
Podemos fazer algo e ir melhorando, mas para fazermos algo é necessário percebermos que há algo a fazer e para isso é preciso chegar a esse entendimento e muita gente (a maior parte?) não consegue ver isso. Não esqueçamos que a tendência é acreditarmos que a nossa visão dos fenómenos – a nossa história – é a verdade.
A pessoa mais inteligente acha que tem razão, tal como a
menos capacitada; o mais instruído e o menos; o velho, a criança, o adulto; o
doente mental e o génio. Todos tendemos a achar que temos razão (Descartes
dizia que a razão é a riqueza mais bem distribuída do mundo, ninguém se queixa
de ter falta dela). E, muitos acham que os que pensam de outra maneira são
loucos ou burros.
Mas só pelo facto de trilharmos este caminho não nos
vamos aperceber sempre do que se está a passar. É um processo diário, um
recordar constante e a necessidade de higiene mental diária através de
meditação e passeios na natureza. Vamos continuar a falhar, a fazer asneiras e
a dizer asneiras.
Este caminho coloca-nos também mais em contacto com a
intuição: a capacidade de nos ligarmos a lugares de sabedoria, que não são
nossos, na verdade nada é nosso, nem nós próprios, faz tudo parte das regras da
vida. Pois se o corpo fosse nosso, por exemplo, deixávamo-lo envelhecer?
Adoecer? Morrer? Permitíamos a dor?
Que bom é ter alguém a conduzir-me por estes caminhos de
sabedoria, alguém que claramente percebe a forma como as coisas funcionam porque
as vive, alguém que diz claramente “a vida é misteriosa”, que mostra as suas
contradições e que nos guia para nós próprios sermos cientistas e entendermos
pela única forma de entendimento efectivo que existe – a experiência. É um privilégio que acho absolutamente incrível.
Desta vez fui uma das 50 ou 60 privilegiadas. Eh pá,
acabei de descobrir que sou rica. Absolutamente rica!
Bom, mas não precisas de acreditar em nada disto, aliás,
nem deves, deves sim tentar descobrir por ti, se tiveres interesse.
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Formas de aceder a estes conhecimentos
Toda a gente pode ter acesso aos livros de imensa
sabedoria escritos por Ajahn Amaro e outros monges, incluindo publicações em
português.
Também a palestras e meditações guiadas em áudio.
O Mosteiro Amaravati é visitável a maior parte do ano e é
possível ficar por alguns dias como convidado, seguindo a rotina do Mosteiro.
O calendário de retiros pode ser visto aqui.
São publicados em Outubro os retiros para o ano seguinte. E a maior parte deles
esgota no dia em que abrem as inscrições.
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Em Portugal há o Mosteiro Sumedharama desta
linhagem, visitável também todos os dias, com workshops
de meditação aos domingos e onde também é possível ficar por alguns dias. Este é outro
dos lugares onde fico sempre que posso. Tem a enorme vantagem, para mim, de ter
monges portugueses.
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