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O papel social de muitos filhos (de muitas crianças e jovens)

Talvez já tenhas ouvido pais gritarem a filhos expressões deste género: “Pára quieto.” “Não faças isso.” “Já te disse para não ires para aí.” “És mesmo estúpida.” “Larga a boneca.” “Olha aquela menina tão bonita e tu tão feia.” “Grande parvo.” “Fazes tudo mal.”


E talvez já tenhas ouvido os mesmos pais dizerem com voz mansa aos mesmos filhos:
- Vai buscar água ao pai.
- Vai comprar cigarros à mãe.
- Põe isto no lava-louças que a mãe está muito cansada.

Mas talvez nunca tenhas ouvido, porque se faz às escondidas e porque as crianças têm muita vergonha e medo de falarem destas coisas; ou se contam, à mãe, por exemplo, ela fica tão perplexa e aflita que desata a gritar com a menina: “Cala-te imediatamente. Nunca mais digas isso. Mentirosa.” Talvez nunca tenhas ouvido dizer, apesar de existir em muitos lares...


... Nina está quase a dormir quando sente a porta do quarto abrir-se e vê um vulto. Fica aterrada de medo, mas, depressa uma mão lhe tapa a boca, um corpo se cola ao seu e uma voz bem conhecida diz: “Sssshhh é o pai. Não faças barulho.”


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Pelos 18, 19, 20 anos os filhos homem são chamados à tropa para defenderem o seu país. Se por acaso o Estado estiver em guerra, crianças com corpos crescidos são mesmo obrigadas a ir lutar pelas guerras dos adultos. Dão a vida uns, outros apenas e só partes do corpo, a maioria dão a sanidade mental para sempre. Lutam por guerras que não criaram e onde, provavelmente a maioria, não querem estar.


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Hoje, hoje mesmo, dia 30 de Junho de 2020, as crianças ficam em casa pelo medo dos pais; os adolescentes ficam em casa porque se saírem podem contagiar alguém com 90 anos, aumentando a probabilidade da sua morte, já tão elevada devido à idade, ao Alzheimer e à insuficiência renal; ou alguém de 80, que já é tão doente, com insuficiência respiratória, hiper-tiroidismo e diabetes; ou alguém de 70, com metastases em metade do corpo, bronquite crónica e uma tristeza sem fim; ou aquela rapariga de 25 anos que desde que nasceu anda em hospitais e já se sabe que tem pouco tempo de vida.

Os jovens não podem conviver porque devido a isso alguém pode aumentar a possibilidade de morrer de uma morte que anda há anos a ser adiada pelo avanço científico que acha que as pessoas têm que estar vivas a qualquer preço.

A imagem pode conter: uma ou mais pessoas, pessoas sentadas, óculos graduados e ar livre

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O papel social de muitos filhos, de muitas crianças e jovens adultos é serem o primeiro caixote de lixo dos adultos. Porque os adultos, as pessoas em geral, nunca atacam ou abusam dos fortes, porque esses dão luta e ainda poderiam perder a batalha; os adultos, os humanos em geral, só usam e abusam dos mais fracos. Ora quem mais fraco que as crianças? (Quem mais fraco que os velhos? Que as mulheres? Os dependentes? Os que não têm armas?)


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(Eu quero acreditar que hoje, 30 de Junho de 2020, embora possa não parecer à vista desarmada, está em curso a queda de uma sociedade gritantemente injusta, indescritivelmente má. Que o que salta à vista é a luta desesperada do medo para se agarrar a algo que já não existe ou que nunca existiu.

Quero acreditar que estamos no caos para que possa desaparecer o que não serve a vida e emergir uma nova criação: um Novo Mundo, mais justo para humanos, animais e ambiente em geral.

Pelo sim pelo não, abraço a confiança, protejo-me, tento criar cada vez mais luz, força e paz e deixar morrer o que em mim não é de amor.)



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