É preciso largar para que as mãos possam agarrar outras coisas, libertar o que já não serve para abrir espaço ao que faz falta, deixar o velho para dar lugar ao novo.
Na palestra de ontem à noite no Mosteiro Sumedharama, entre a Ericeira e Mafra, o Monge falou das suas peregrinações mendicantes em Portugal.
Na tradição budista Theravada, a que pertence, os monges não podem ter dinheiro. Vão com as suas enormes taças para junto da população à espera que alguém lhes ofereça que comer, mas também não podem pedir e não podem guardar os alimentos de um dia para o outro, pelo que todos os dias a “aventura” se repete. Se alguém lhes perguntar o que andam a fazer explicam, se ninguém perguntar não podem dizer nada.
O monge Gambhiro é Húngaro. Da primeira vez foi com um inglês. Começaram em Lagos com destino a Lisboa, para caminharem durante três semanas.
Ele não acreditava que alguém lhes desse comida, tinham chegado há muito pouco tempo a Portugal, quase ninguém conhecia esta tradição.
No primeiro dia pensou: “Ninguém nos vai dar comida, mas não faz mal, um dia sem comer é ok”. Mas alguém lhes perguntou o que faziam e deram-lhes de comer. No segundo dia repetiu-se o receio, mas novamente lhes deram comida, dia após dia nunca lhes faltou alimento e muitas vezes sobrou.
Renunciantes a dinheiro e à possibilidade de apanharem sequer um fruto caído no chão, estes monges colocam-se todos os dias na maior vulnerabilidade e na dependência total dos outros. Têm apenas fé de que vão ter o que precisarem e que conseguirão lidar com o que surgir.
E assim vai sendo.
Este desapego, uma vida tranquila e meditativa, a dependência da generosidade alheia e a sua própria generosidade que praticam partilhando o que aprendem, a sua paz e capacidade de ver notáveis, faz de muitos deles pessoas felizes e plenas como se vê pouco.
Creio que têm muito para nos ensinar.

Vivemos tempos em que aquilo com que nos habituámos a viver está a ruir porque levámos o planeta Terra e os seus habitantes próximos do esgotamento. Era preciso parar, é preciso parar. Agarrarmo-nos a uma parede em queda não nos vai salvar. O medo da morte não serve de nada, no fim vamos morrer mesmo e nunca saberemos quando ela vai chegar.
Ter medo de algo que ainda por cima não tem existência real, pelo menos como imaginamos ou como alguém nos contou, piora a situação.
O medo de morrer está a impedir as pessoas de viverem. Com medo de morrer muita gente mata-se em vida e obriga outros a matarem-se.
As máscaras, o distanciamento social, a impossibilidade de determinadas actividades serem praticadas, tudo justificado por um problema que está a ser enormemente exacerbado, está a matar literalmente, a deixar isoladas pessoas em situação de fragilidade e inicia-se agora em Portugal um crime sem precedentes contra as crianças.
O medo da morte está a matar!
Não há como convencer alguém a acreditar nisto. Tal como um invisual não consegue ver formas nem cores, cada pessoa só consegue ver certas coisas e é nisso acredita; provavelmente apenas uma pequena minoria da população mundial sabe que a verdade é demasiado complexa para ser apreendida por uma só pessoa e que há sempre muito mais do que aquilo que se vê, ouve, imagina ou pensa.
Mas quem já percebeu que o que existia está em queda. Que já era desumano e profundamente injusto e que agora está a caminhar para níveis ainda mais degradantes, onde deixaremos de ter qualquer dignidade, onde se mata quem já não serve, se enjaula quem atrapalha, se mantém vivo quem se quer manter vivo, etc., na minha opinião pode e deve agir e a acção que vejo é largar ou ir langando. Largar a segurança fictícia e ir em busca do que quer.
Há um ano larguei Carcavelos e fui para Beringel. Muitos me disseram para não o fazer, outros pediram-me, outros diziam que era muito corajosa. Simplesmente fluí com a vida. Fluo conscientemente há uns anos.
Hoje é óbvio porque tive que ir para uma terra quase deserta. E não me falta nada. Desde que decidi entregar-me à vida e, tal como aprendi com o Budismo e nomeadamente com estes monges e com o Dalai Lama, comecei a treinar confiar que teria tudo o que preciso e que saberei lidar com o que surgir, nunca mais me faltou nada. Nem o dinheiro necessário, nem comida, nem casa, nem amigos, nem trabalho.
Antes, quando queria que a vida fluísse à minha maneira e tinha medo de me faltar mesmo quando tinha coisas, aí faltou-me tudo. Saúde, trabalho, dinheiro, amigos, cheguei até a perder a casa, só não perdi mesmo a vida nem o filho.
O que hoje quero dizer é que não serve de nada remar contra a corrente da vida, não serve para nada de bom remarmos contra o que nos pede o coração, o que gritam as entranhas. Não serve para nada de bom ser conduzido pelo medo. Só a fé e a coragem podem dar bons resultados.
O que é a fé? É acreditar. Acreditar que hoje vou ter tudo o que preciso se fizer algo para isso.
E o que é coragem? É seguir o coração ainda que com medo. É fazer o que tem de ser feito, ainda que com medo. E nunca fazer nada contra ninguém, nem às custas de ninguém, porque isso paga-se. É fluir com a vida respeitando-a, respeitando-nos e respeitando os outros.
Largar e confiar. Largar e viver. Seguir a sabedoria dessa força muito maior e mais sábia que nós, que criou a própria vida, que não sabemos exactamente o que é, mas que existe e continua a manifestar-se.
Na tradição budista Theravada, a que pertence, os monges não podem ter dinheiro. Vão com as suas enormes taças para junto da população à espera que alguém lhes ofereça que comer, mas também não podem pedir e não podem guardar os alimentos de um dia para o outro, pelo que todos os dias a “aventura” se repete. Se alguém lhes perguntar o que andam a fazer explicam, se ninguém perguntar não podem dizer nada.
O monge Gambhiro é Húngaro. Da primeira vez foi com um inglês. Começaram em Lagos com destino a Lisboa, para caminharem durante três semanas.
Ele não acreditava que alguém lhes desse comida, tinham chegado há muito pouco tempo a Portugal, quase ninguém conhecia esta tradição.
No primeiro dia pensou: “Ninguém nos vai dar comida, mas não faz mal, um dia sem comer é ok”. Mas alguém lhes perguntou o que faziam e deram-lhes de comer. No segundo dia repetiu-se o receio, mas novamente lhes deram comida, dia após dia nunca lhes faltou alimento e muitas vezes sobrou.
Renunciantes a dinheiro e à possibilidade de apanharem sequer um fruto caído no chão, estes monges colocam-se todos os dias na maior vulnerabilidade e na dependência total dos outros. Têm apenas fé de que vão ter o que precisarem e que conseguirão lidar com o que surgir.
E assim vai sendo.
Este desapego, uma vida tranquila e meditativa, a dependência da generosidade alheia e a sua própria generosidade que praticam partilhando o que aprendem, a sua paz e capacidade de ver notáveis, faz de muitos deles pessoas felizes e plenas como se vê pouco.
Creio que têm muito para nos ensinar.

Vivemos tempos em que aquilo com que nos habituámos a viver está a ruir porque levámos o planeta Terra e os seus habitantes próximos do esgotamento. Era preciso parar, é preciso parar. Agarrarmo-nos a uma parede em queda não nos vai salvar. O medo da morte não serve de nada, no fim vamos morrer mesmo e nunca saberemos quando ela vai chegar.
Ter medo de algo que ainda por cima não tem existência real, pelo menos como imaginamos ou como alguém nos contou, piora a situação.
O medo de morrer está a impedir as pessoas de viverem. Com medo de morrer muita gente mata-se em vida e obriga outros a matarem-se.
As máscaras, o distanciamento social, a impossibilidade de determinadas actividades serem praticadas, tudo justificado por um problema que está a ser enormemente exacerbado, está a matar literalmente, a deixar isoladas pessoas em situação de fragilidade e inicia-se agora em Portugal um crime sem precedentes contra as crianças.
O medo da morte está a matar!
Não há como convencer alguém a acreditar nisto. Tal como um invisual não consegue ver formas nem cores, cada pessoa só consegue ver certas coisas e é nisso acredita; provavelmente apenas uma pequena minoria da população mundial sabe que a verdade é demasiado complexa para ser apreendida por uma só pessoa e que há sempre muito mais do que aquilo que se vê, ouve, imagina ou pensa.
Mas quem já percebeu que o que existia está em queda. Que já era desumano e profundamente injusto e que agora está a caminhar para níveis ainda mais degradantes, onde deixaremos de ter qualquer dignidade, onde se mata quem já não serve, se enjaula quem atrapalha, se mantém vivo quem se quer manter vivo, etc., na minha opinião pode e deve agir e a acção que vejo é largar ou ir langando. Largar a segurança fictícia e ir em busca do que quer.
Há um ano larguei Carcavelos e fui para Beringel. Muitos me disseram para não o fazer, outros pediram-me, outros diziam que era muito corajosa. Simplesmente fluí com a vida. Fluo conscientemente há uns anos.
Hoje é óbvio porque tive que ir para uma terra quase deserta. E não me falta nada. Desde que decidi entregar-me à vida e, tal como aprendi com o Budismo e nomeadamente com estes monges e com o Dalai Lama, comecei a treinar confiar que teria tudo o que preciso e que saberei lidar com o que surgir, nunca mais me faltou nada. Nem o dinheiro necessário, nem comida, nem casa, nem amigos, nem trabalho.
Antes, quando queria que a vida fluísse à minha maneira e tinha medo de me faltar mesmo quando tinha coisas, aí faltou-me tudo. Saúde, trabalho, dinheiro, amigos, cheguei até a perder a casa, só não perdi mesmo a vida nem o filho.
O que hoje quero dizer é que não serve de nada remar contra a corrente da vida, não serve para nada de bom remarmos contra o que nos pede o coração, o que gritam as entranhas. Não serve para nada de bom ser conduzido pelo medo. Só a fé e a coragem podem dar bons resultados.
O que é a fé? É acreditar. Acreditar que hoje vou ter tudo o que preciso se fizer algo para isso.
E o que é coragem? É seguir o coração ainda que com medo. É fazer o que tem de ser feito, ainda que com medo. E nunca fazer nada contra ninguém, nem às custas de ninguém, porque isso paga-se. É fluir com a vida respeitando-a, respeitando-nos e respeitando os outros.
Largar e confiar. Largar e viver. Seguir a sabedoria dessa força muito maior e mais sábia que nós, que criou a própria vida, que não sabemos exactamente o que é, mas que existe e continua a manifestar-se.
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