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O canteiro selvagem

Era o canteiro mais selvagem do quintal da casa da minha mãe. Desde que comecei a tratar do quintal, por não ter encontrado ninguém para o fazer, que me encantava aquele canteiro cheio de fetos, trepadeiras e outras plantas que não sei o nome, e no Verão enfeitado de rosas, jarros e malmequeres entre outras flores.


Sabia que tinha que lhe fazer alguma coisa, até porque as plantas pendiam para as escadas e encalhavam em nós quando passávamos, mas ainda não tinha pensado no quê.

Quarta-feira cheguei a casa de minha mãe vinda de um mês de retiro. Encontrei alguns ramos cortados logo à entrada, estranhei, descendo as escadas encontrei um amigo dela que em tempos lhe tratava do quintal de forma voluntária, mas que tinha deixado de o fazer.

Na altura, entre muitas coisas boas, também decepou algumas árvores que levaram anos a voltarem a dar frutos.

Não gostei de o ver. Estava ali a fazer alguma coisa sem ter falado comigo ou com as minhas irmãs. A minha mãe já há uns anos que mantendo o estatuto de mãe tem mais o papel de filha. E assim é o normal, quando os anos passam e as faculdades vão definhando, passam a ser os filhos a cuidar dos pais. Temos tido essa possibilidade de a manter em casa com acompanhamento em vez de a colocarmos nos antigos depósitos de idosos, hoje transformados em prisões.

Anestesiada, entrei rapidamente em casa e não voltei. Quinta-feira de manhã quando saí via-se apenas o tronco de duas árvores e do canteiro restava um amontoado de plantas cortadas e arrancadas. 

   


Telefonei. Que a minha mãe lhe tinha pedido.

- A minha mãe não está em condições de decidir sobre a casa, como o senhor sabe. Sou eu e as minhas irmãs que fazemos a gestão de tudo.

- Mas está mais bonito assim. Estava muito grande, tinha que se cortar, depois cresce outra vez.

- O sr. não pode cortar aquilo que entende, aliás o sr. não pode cortar nada sem a nossa autorização.

- Mas assim está melhor (blablablabla) eu logo já passo aí para lhe explicar.

Não passou. À noite enviei um email à esposa (ele não tem tal e eu queria deixar as coisas escritas e receava o ele pudesse fazer no dia seguinte durante a minha ausência) a explicar o que ele não devia fazer e a pedir para retirar o amontoado de lixo que tinha deixado pois eu não sabia o que lhe fazer.

Sexta quando voltei a casa ao fim do dia também não tinha passado. A Lua é que há dois dias andava cheia em Carneiro, junto à Ferida e ao Guerreiro, a fazer quadraturas aos Três Senhores que andam a deitar isto tudo abaixo para nascer algo novo. Ou seja, andavam por aí explosões de todo o género, segundo explicam os astrólogos e a gente pode ver, e por aqui a explosão foi no “meu” jardim, acendendo a minha ferida e o meu guerreiro e, claro, deixando-me em fúria, infelicíssima e meio cega. 


Hoje, já a Lua andava no signo do Jardim, que é Touro, vi no topo do amontoado de plantas fetos com raiz. Então chamei a Ísis que há em mim, aquela que apanhou os pedaços do seu amor Osíris, esquartejado por Seth, juntou-os e restituio-o à vida, e com a sua ajuda resgatei dos escombros montes de fetos, trepadeiras, roseiras e agora vou colocá-los de novo na terra. Será que tal como Osíris retornarão à vida?


Alguns (re)ensinamentos que tiro disto tudo, além da árdua tarefa de não desatar aos berros com o senhor e lhe chamar todos os nomes que pensei a seu respeito:

Misterioso e surpreendente este mundo. Que a morte de tudo o que nasce é certa, já sabemos, quando vem e por que meios é que não.

Que os beneméritos por vezes de benemérito têm pouco – e não têm mesmo nada quando impõem a sua ajuda – ficou claro aqui no jardim da minha mãe. O mesmo se aplica a todo o tipo de ajudas que nos tentem incutir, impôr, convencer, chorar; ou as que nós tentamos impingir aos outros. 

Como se pode valorizar tão pouco a vida alheia, seja de pessoas, de animais ou de plantas.

Desapego. Convém o desapego para não colocar sofrimento em cima do que surge. 


Mas, alguém destruiu? Toca a construir de novo! Cá estou eu de jardineira, em dia de Lua em Jardim, a ver se ressuscito o canteiro selvagem da casa de família, que afinal é onde tenho o stellium Júpiter-Saturno-Plutão hospedado, a dizer que é para mandar abaixo o que não serve e construir algo melhor.

Não sei se o canteiro não servia, acho que servia muito bem; mas os fulanos que mandam no mundo também querem mandar abaixo tudo quanto é antigo e fraco, por isso aprisionam os velhos e não tratam os doentes; incapacitar todos, por isso mandam andar de máscara por todo o lado; controlar toda a gente.

Servisse ou não, estragou faz de novo! No canteiro e na vida toda!

A minha vida não existe para ser o que os outros querem. Mal ou bem reivindico para mim o direito de ser sua co-criadora juntamente com o mistério que anima tudo.

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